A comunidade de código aberto tem se manifestado de forma cada vez mais incisiva sobre as práticas da Microsoft, especialmente durante a transição forçada do Windows 10 para o Windows 11. Esse movimento de crítica se intensificou, como visto na iniciativa End of 10, após a gigante de Redmond sugerir abertamente que usuários descartassem PCs mais antigos para adquirir novos modelos compatíveis com o sistema mais recente, alegando a necessidade de “prevenir malware”.
Nesse cenário de crescente atrito e debates sobre a soberania digital, o LibreOffice, um dos mais renomados pacotes de software de produtividade de código aberto, elevou suas críticas. Desta vez, o alvo principal são os formatos de arquivo da Microsoft, acusando a empresa de tornar seu formato XML do Office “artificialmente complexo”. Mas o que essa acusação significa para a interoperabilidade e a liberdade de escolha dos usuários?
A Batalha dos Formatos: ODF vs. OOXML
Para entender a controvérsia levantada pelo LibreOffice, é fundamental conhecer os formatos de arquivo em questão. O software de produtividade de código aberto utiliza o Open Document Format (ODF), um padrão aberto que, por sua natureza, não exige o controle de nenhuma empresa. Consequentemente, arquivos de texto como .odt e planilhas como .ods são gerados a partir deste formato, promovendo a acessibilidade e a compatibilidade.
Por outro lado, a Microsoft desenvolveu seu próprio Office Open XML (OOXML). Projetado para suportar todos os recursos de seu software, ele resulta nos amplamente conhecidos formatos .docx e .xlsx. Em teoria, o XML deveria funcionar como uma “ponte”, facilitando a comunicação entre diferentes aplicativos. No entanto, o LibreOffice alega que a Microsoft está usando seu próprio esquema como uma “arma”, tornando-o tão intrincado que se transforma em uma barreira, em vez de uma conexão real, conforme apontado por portais como o Neowin e XDA-Developers.
Entendendo o XML: Ponte ou Barreira na Prática?
O XML, sigla para eXtensible Markup Language, é uma linguagem fundamental para organizar informações de forma compreensível tanto para humanos quanto para computadores. Ele permite que diferentes aplicativos se comuniquem e troquem dados usando uma linguagem comum, funcionando como um “contêiner digital” que rotula informações de forma clara e estruturada. Um esquema XML, por sua vez, define a estrutura, os tipos de dados e as regras de um documento XML, e é descrito em um arquivo XML Schema Definition (XSD).
Em teoria, como explica o Neowin, XML e XSD juntos formam a base do conceito de interoperabilidade. Contudo, a flexibilidade do XML também pode ser usada de maneiras problemáticas, como aponta o LibreOffice em seu blog:
“É claro que é igualmente importante saber que o XML pode ser usado exatamente da maneira oposta, como é o caso do formato OOXML do Microsoft 365 (e anteriormente do Office), para limitar a soberania digital dos usuários e perpetuar a dependência por meio da complexidade artificial dos arquivos.”
Para ilustrar essa complexidade artificial, o LibreOffice compara a situação a um sistema ferroviário. Nele, os trilhos são públicos, mas o sistema de controle de uma única empresa é tão complexo que impede que outras empresas construam trens compatíveis. Isso, na prática, elimina a concorrência e impede a inovação. Consequentemente, os “passageiros” – ou seja, os usuários – tornam-se reféns desses obstáculos técnicos, muitas vezes sem sequer perceberem.
Os desenvolvedores do LibreOffice reforçam essa crítica, explicando que “um exemplo dessa complexidade inclui uma estrutura profundamente aninhada com convenções de nomenclatura contraintuitivas e tantos elementos opcionais que implementar o formato se torna um pesadelo para qualquer desenvolvedor fora da Microsoft.” Essa prática, portanto, levanta sérias questões sobre a liberdade e a autonomia dos usuários em relação aos seus próprios dados e softwares, questionando a verdadeira intenção por trás de tamanha complexidade.
Impacto Direto para o Usuário Final
Embora muitos usuários talvez não percebam diretamente esses detalhes técnicos, a verdade é que a complexidade artificial de formatos como o OOXML do Microsoft Office 365 tem implicações significativas. Em primeiro lugar, ela dificulta a transição para softwares alternativos, como o próprio LibreOffice, mesmo que eles ofereçam recursos semelhantes e, em muitos casos, sejam gratuitos. Assim, os usuários ficam “presos” a um ecossistema específico, limitando sua liberdade de escolha e a capacidade de migrar seus dados de forma fluida.
Além disso, essa estratégia pode impedir a verdadeira inovação no mercado de software de produtividade, já que empresas menores e projetos de código aberto enfrentam barreiras imensas para desenvolver compatibilidade total. Portanto, a discussão vai muito além da simples preferência por um programa; ela toca em temas cruciais como a liberdade de dados, a soberania digital e a concorrência justa no setor de tecnologia. É fundamental que os usuários estejam cientes dessas dinâmicas para fazerem escolhas mais informadas e conscientes em um mundo cada vez mais digital.
Para entender melhor o conceito de XML, assista ao vídeo abaixo:
